terça-feira, 21 de abril de 2009

Escultura Século XVIII

A coordenação da vida religiosa na Capitania de Minas Gerais foi feita via associações religiosas leigas: Irmandades, Confrarias e Ordens Terceiras. A Coroa Portuguesa proibiu a entrada das grandes congregações religiosas regulares na Capitania sob a alegação de “que eram prejudiciais à ordem pública”. Desta forma, apenas padres seculares tiveram a permissão para entrar. Essa é uma questão muito importante para compreender melhor a peculiaridade da arte colonial mineira.
Enquanto no litoral as construções eram orientadas pelos padrões rígidos das congregações regulares, em Minas a população ganhou a liberdade para organizar suas próprias irmandades. Assim, os templos religiosos foram erguidos com recursos próprios. Essa liberdade não se faz sentir apenas pelo números de construções, mas, também e principalmente, na livre criação. Novas soluções foram elaboradas e as construções se adaptaram à realidade da região. A construção da igreja, sua ornamentação e a contratação dos artistas eram discutidas pelos membros da irmandade. Obra de leigos para leigos.
Os profissionais

O caráter urbano da Capitania de Minas Gerais e a diversidade de irmandades acabaram por atrair um grande número de profissionais e artesãos necessários à construção dos templos religiosos. Entre eles, destacam-se carpinteiros, marceneiros, entalhadores, escultores, canteiros, carapinas e santeiros.
Ao se admirar os templos de século XVIII, é comum ter a atenção desviada para a parte decorativa e se esquecer dos grandes trabalhos da parte estrutural executados em madeira, principalmente os da primeira metade do século, como pilastras, forros e suas esquadrias, marcos de portas, arcos, etc.
Canteiros – Oficiais que lavravam as pedras destinadas aos trabalhos de alvenaria e acabamentos, como umbrais, pórticos e outros.
Carpinteiros - Com serviço garantido durante todo o século, os carpinteiros formaram o maior número de artífices que trabalharam na Capitania. Foram fundamentais para o sucesso das construções.
Carapinas - Acredita-se que carapina fosse um termo pejorativo para designar os oficiais de carpintaria ou marcenaria que estivessem sob investigação de visitas eclesiásticas. Segundo o professor Caio Boschi, os carapinas deviam ser menos qualificados. Não se tem documentação que mostre que fosse necessário a esses profissionais cartas de exames ou passar por uma banca de juizes.
Entalhadores – Esses lavravam e esculpiam na madeira laçarias, flores, folhagens e colunas torças em meio-relevo ou baixo-relevo. De extrema importância dentro da decoração barroca e rococó, o entalhador, assim como o carpinteiro, esteve presente em toda a Capitania ao longo do século.
Escultores –Tecnicamente, eram profissionais qualificados para lavrar figuras em madeira ou pedra. Foram poucos os que aturam na Capitania, não chegando a constituir um ofício. Nos documentos, as obras geralmente aparecem atribuídas à marceneiros, carpinteiros e entalhadores.
Marceneiros - Exerciam a atividade de lavrar madeira destinada às peças mais elaboradas como móveis, balaustradas e outras que exigissem habilidade para um acabamento refinado. Não foram tão numerosos como os carpinteiros.
Santeiros – Esses também não chegaram a constituir um ofício, mas foram extremamente populares devido a grande demanda por imagens, já que não eram apenas utilizadas no interior dos templos, mas, também nas residências. Foi grande e variada a produção de imagens durante o período.
Elementos decorativos

São inúmeros os elementos decorativos necessários para a pompa e o luxo do espetáculo barroco dentro de um templo religioso. O esplendor do barroco que se manifestou através da talha dourada ficou a cargo de artífices que executaram principalmente: colunas torsas e ou salomônicas, pilastras, anjos, quartelões, lambrequins, dosséis, peanhas, flores, guirlandas, conchas, rocalhas, santos, púlpitos, abaixa-vozes, elementos zoomorfos, andores, altares, anjos tocheiros, oratórios, baldaquins, balaustradas, bustos-relicários, crucifixos, frontais de altares, sacrários, pias de água benta, pias batismais, relicários e tarjas.
Materiais
Todos estes profissionais tiveram que se adaptar à realidade da Capitania de Minas Gerais, descobrindo e adaptando novas matérias-primas para seus trabalhos.
Os instrumentos mais utilizados para os trabalhos em madeira foram :
Buril - Instrumento com a extremidade chata, com o qual se trabalha uma superfície lisa.
Cinzel - Instrumento com a extremidade cortante com o qual se faz estrias.
Formão - Instrumento com uma extremidade chata e cortante.
Goiva - Instrumento similar a um formão em forma de semi –circulo tendo o chanfro do corte na parte inferior, isto é, do lado côncavo.
Ponteiro - Instrumento com a extremidade pontuda com o qual se faz sulcos.
Imaginária
Bem populares em Portugal, as primeiras imagens religiosas chegaram ao Brasil com as caravelas de Cabral. A intenção e a missão de evangelização da novas terras dentro do espírito reformista contribuíram para a larga importação e produção de imagens na colônia.
Com o culto à Virgem Maria e aos santos proclamados como legítimos durante reuniões do Concílio de Tentro, a sessão XXV deste Concílio, realizada em 4 de dezembro de 1563, recomendava sobre as imagens e decoração do templo. O uso das imagens foi defendida como recurso de catequese. “Se devem ter e conservar, principalmente nos templos, as imagens de Cristo, da Virgem Mãe de Deus, e dos outros santos, e que se lhes deve dar a correspondente honra e veneração, não porque se creia que há nelas divindade ou virtude alguma pelas quais mereçam o culto, ou que se lhes deva pedir alguma coisa, ou que se reconheça a confiança nas imagens, como faziam os gentios autrora, que colocavam suas esperanças nos ídolos..”
Abria-se, assim, um dos mais amplos campos para a decoração barroca. A fatura de imagens, já comuns na Idade Média, ganhava, agora, um grande respaldo. Na colônia, a produção destes objetos de devoção que estimulavam a contemplação e a meditação foi intensa para as ricas matrizes ou pobres habitações. Das eruditas às populares, as imagens embelezaram e acalentaram todo o ambiente colonial brasileiro.
As imagens mais antigas em Minas Gerais são: Nossa Senhora do Monte Serrat, na Capela de Santo Antônio de Roça Grande, município de Sabará; Nossa Senhora do Pilar, na Catedral Basílica de São João del Rei; e Nossa Senhora do Carmo, na Catedral da Sé de Mariana. Sobre esta última é que se tem a mais antiga documentação. Foi encomendada pelo Senado da Câmara em 1720, guardando características da imaginária do século XVII, com vestes sem movimento caídas ao longo do corpo.
O período áureo da imaginária barroca em Minas Gerais foi de 1720 a 1760. É a época de imagens de fatura requintada, panejamento cheio de esmero, madonas de traços suaves, cabelos com penteados cuidadosos e acabamento primoroso. Não é fácil saber a origem e os autores dessas imagens. Sabe-se que tanto a produção na Capitania quanto a importação foram em larga escala para abastecer tão devoto mercado.
A imaginária esteve totalmente voltada para o sacro. As poucas obras fora desta temática são principalmente peças decorativas para chafarizes, como carrancas, peixes, conchas, concheados, pinhas e, às vezes, figuras humanas.
Classificação
A imaginária em Minas Gerais pode ser classificada em:
- imagem de talha inteira;
- imagem articulada;
- imagem de vestir; e
- imagem de roca.
As de tratamento erudito, com certeza, eram as importadas da metrópole. O estudioso Olinto Rodrigues dos Santos Filho fez um levantamento da imaginária encontrada nas igrejas e museus mineiros e chegou a interessantes conclusões.
Imagem de talha inteira

A imaginária atribuída aos artistas portugueses é de fatura quase erudita e apresenta as seguintes características:
- corpos cheios;
- rostos bem tratados;
- testas largas;
- panejamento complicado e esvoaçante;
- base com globos com nuvens e cabeças de anjos; e
- policromia esmerada em tons escuros.
Pode se considerar que uma boa parte das imagens de Nossa Senhora da Conceição é de origem portuguesa. Elas apresentam as seguintes características:
- expressão facial suave;
- manto levemente esvoaçante;
- policromia em vermelho, azul e dourado;
- lua crescente aos pés;
- globo de nuvens; e
- querubins graciosos.
Já a imaginária mineira teve sua produção na segunda metade do século XVIII, com forte influência portuguesa. As imagens que possivelmente foram produzidas na Capitania tem como características:
- corpos esbeltos e elegantes em contraste com os corpos mais volumosos das imagens portuguesas;
- panejamento farto, pregas miúdas, movimentos verticais, tendendo às diagonais;
- véus esvoaçantes;
- barras das vestes cobrindo os pés em curiosas ondulações;
- eições ingênuas;
- olhos amendoados;
- policromia e douramentos sóbrios;
- nuvens em desenhos espirais ou volutas concêntricas;
- peanhas facetadas, simples complementadas com marmoreado;
- posição das mãos antagônicas;
- pernas ensaiando um passo à frente; e
- padronagem da roupa delicada.
Imagem articulada

São imagens com bom nível de acabamento e policromia. Feitas de pelica, as articulações geralmente eram na ligação do braço com o ombro. Essas técnicas foram utilizadas principalmente em imagens de Cristo, possibilitando colocar a imagem em diversas posições: presa à cruz, deitada no esquife para a procissão do Senhor Morto ou atada a uma coluna nas representações da flagelação.
Imagem de vestir

São imagens que escondem parte da escultura sob as vestes. Possuem corpos definidos, mas sem acabamento. O esmero no acabamento é deixado apenas para as partes que não são escondidas pelas vestes, geralmente, mãos e pés. Muitas dessas imagens possuem articulação e podem ter também olhos de vidro.
Imagem de roca

Tem apenas o rosto e as mãos esculpidos. Às vezes, aparece o pé. A parte correspondente ao corpo é uma armação com ripas de madeira escondida pelas vestes. Os braços geralmente possuem articulação. A grande parte dessas imagens possui cabelos naturais, os olhos podem ser de vidro ou esculpidos e policromados
A professora Maria Regina Quites explica que a expressão santo de roca é uma analogia ao instrumento roca já que a rama de linho ou lã destinada a ser fiada é enrolada a uma vara.
Técnicas e materiais

Dá-se o nome de carnação à técnica de pintura de imagens. A base de preparação da peça ou aparelhamento era feita com camadas de gesso e cola.
A cola, de origem animal, era extraída de peles e cartilagens. A função do aparelhamento era isolar a madeira da pintura , corrigir os defeitos da madeira e tornar a superfície extremamente lisa para não interferir na tonalidade das cores.
Após o aparelhamento, a peça recebia a folha de ouro de acordo com a técnica do douramento, e depois, a pintura à óleo ou têmpera.
A ornamentação que criava a padronagem do panejamento poderia ser feita da seguinte maneira:
Esgrafito - Com um instrumento de ponta bem fina, retira-se a camada de tinta, dando espaço para o aparecimento do douramento, assim vão se formando os desenhos no panejamento.
Pastiglio - São barrados feitos em alto-relevo com gesso nos panejamentos. Esses barrados geralmente têm o douramento como acabamento.
Punção - Com uma ferramenta de metal, marca-se a madeira com pequeninos círculos, formando variados desenhos.
Era comum também o uso de rendas e cordas para o acabamento da peça. Esses materiais recebiam o douramento e incorporavam-se tão perfeitamente à peça que pareciam ser esculturas.
Madeira – A mais utilizada pelos artífices que trabalharam em Minas Gerais foi o cedro rosa. De odor agradável, é ideal para o trabalho de talha e escultura, além de ser muito resistente. O jacarandá claro foi pouco utilizado. As imagens de maior porte eram escavadas na parte traseira para evitar rachaduras no final do trabalho e também ficavam mais leves param serem manuseadas durante sua confecção e para serem transportadas nos andores durante procissões.
A popular história de que as imagens eram ocas para esconder o ouro gerando a expressão “santo do pau oco” não tem fundamento. Estas imagens eram ocas por técnica de escultura. Pode ter acontecido o fato de que como elas possuíam uma abertura aproveitava-se o espaço para a guarda de valores.
Pedra sabão – Material fartamente encontrado na região da mineração, a esteatita ou pedra sabão pertence ao grupo dos silicatos de magnésio hidratado. De característica muito macia, é a primeira na escala Mohs de dureza, podendo ser riscada até com a unha. Notável para a escultura, a pedra sabão se adaptou com perfeição às necessidades da arte colonial mineira. Além da maciez, permite um fino acabamento. Com variada possibilidade de usos, foi utilizada tanto para fazer peças como umbrais e arcos quanto para os relevos de portadas e imagens em nichos exteriores nos frontispícios das igrejas. A pedra sabão sempre foi utilizada em seu estado natural. O único exemplo de escultura em pedra sabão pintada é uma imagem de roca de São Francisco de Paula exposta no Museu do Aleijadinho, na Matriz de Nossa Senhora da Conceição, em Ouro Preto.
Barro – Em Minas Gerais, são raras as imagens executadas neste material. Acredita-se que as poucas peças existentes sejam de origem portuguesa.