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Autoridade em música barroco-colonial, Luis Otávio Santos lança belo álbum

08 de janeiro de 2011 | 0h 00


João Marcos Coelho - O Estado de S.Paulo
Foi Georg Muffat (1653-1704), um dos maiores músicos-viajantes da Europa do século 18, que Luís Otávio Santos, dublê de violinista, maestro e professor-pesquisador da prática da música historicamente informada, escolheu para compor um CD inteiro do álbum duplo ora lançado pela Orquestra Barroca do Festival Internacional de Música Colonial Brasileira e Música Antiga de Juiz de Fora. Esta é a 11ª gravação do Festival que tem Luís Otávio, nascido em 1972 na cidade, como seu diretor artístico.
Tradicionalmente, cada gravação de fim de ano registra concertos ao vivo do festival, realizado no mês de julho há 21 anos. E combina sempre música antiga e barroca europeia com música colonial brasileira. Trata-se, portanto, da mais importante instituição dedicada à formação de novos músicos especializados e na divulgação de um repertório brasileiro pouquíssimo conhecido. A participação nacional acontece no segundo CD, que traz uma obra-prima barroca (a Suíte no. 4 em Ré Maior BWV 1069 de Johann Sebastian Bach) e duas peças de José Joaquim Emerico Lobo de Mesquita (1746-1805), provavelmente o maior compositor colonial brasileiro: um Salve Regina e Contratulamini mihi.
Luís Otávio estudou violino com uma das estrelas da música antiga, o belga Sigiswald Kuijken; é há 18 anos integrante da seletíssima orquestra barroca La Petite Bande, e conquistou prêmios importantes na Europa, como o Diapason d''Or com um CD de sonatas de Leclair há alguns anos. É professor de violino barroco no Conservatório Real de Bruxelas. No Brasil, é o diretor artístico do Festival de Juiz de Fora e coordena o núcleo de música antiga da Emesp.
Ele chama Muffat de "artista cosmopolita". Com razão. Muffat nasceu na Savoia francesa e sua família mudou-se logo para a Alsácia, de extração alemã. Ele estudou em Paris com Jean-Baptiste Lully, um italiano que se tornou o maior músico francês de sua época; e depois, na Itália, com Arcangelo Corelli. O precioso CD regido por Luís Otávio traz duas suítes e duas sonatas extraídas das principais coletâneas de obras, editadas em francês, alemão, italiano e latim. Como se vê, Muffat queria mesmo atingir a Europa inteira. Na dedicatória de seu Florilegium Primum, de 1695, fica claro como sua postura pioneira combinando estilos antagônicos entre si tinha um significado até ideológico: "É um prelúdio à unidade, à querida paz, desejada por todos os povos". As duas suítes à francesa do Florilegium exibem as famosas aberturas em notas pontuadas, a pompa e a monumentalidade típicas de Lully. Já as duas sonatas do Armonico Tributo assimilam o chamado concerto grosso, onde um pequeno grupo de solistas contrapõe-se ao tutti.
Mais do que meras imitações, são obras de grande inventividade. Um rápido exame das instruções de Muffat aos executantes mostra que ele vai muito além da partitura: faz tratados práticos de execução das músicas à francesa e à italiana.
No segundo CD, Luís Otávio rege a Orquestra Barroca do Festival de Juiz de Fora na célebre Quarta Suíte Orquestral, de Bach. Escrita para o Collegium Musicum, formação de cerca de 40 músicos, basicamente estudantes, que Bach regia às sextas no Café Zimmermann, em Leipzig. Foi lá que ele estreou sua Cantata do Café. No inverno, Bach conduzia os concertos dentro do Café, entre 18 e 20 horas; no verão, as apresentações eram das 16 às 18 horas, ao ar livre, uma espécie de happy hour regada a suítes orquestrais encantadoras como esta, que opera uma síntese ainda mais sofisticada dos estilos nacionais então vigentes.
Os responsórios Salve Regina e Congratulamini mihi, do compositor mineiro colonial Lobo de Mesquita, completam o álbum duplo. Completam uma panorâmica ampla dos CDs do Festival, que em gravações dos últimos dez anos registraram as Matinas para a Quinta-Feira Santa (2000), a Missa em Si Bemol (2001) e a Missa em Fá Maior (2005) - obras de grande porte. Para obter o álbum, acesse o site do festival (http://www.promusica.org.br/).